O amor é um dos grandes mitos da humanidade e
ele está presente nas narrativas do princípio das coisas. Nelas, Eros, o Deus do amor, é
quem estabelece a indistinção entre vida e não-vida, quem liga os extremos de
tudo, guarda o equilíbrio e o desequilíbrio, a força e a fraqueza, a razão e a
não-razão. O amor é tido como elo
que liga o desconhecido ao conhecido.
Na mitologia, a imagem do amor, nascido das
entranhas, está, assim, na própria origem do homem e no princípio de tudo, daí ser possível relacioná-lo com a mulher, mãe,
única capaz de gerar a vida das próprias entranhas.
Herbert Marcuse em Erós e a Civilização apresenta algumas raízes para a origem do amor,
quando situa a existência humana na lacuna entre os impulsos naturais de busca
do prazer e os imperativos da razão, de promover a vida entre a razão e a sensibilidade e
ter na sensibilidade a sua genuína fonte de prazer. Estes impulsos naturais ou
primitivos têm como núcleo, o sexo e a reprodução e, por extensão, o amor
carnal, ou seja, aquele que nos impele ao sexo
Este amor que é carnal pode ter decorrido
do amor original, aquele que as mães sentem pelas crias de maneira instintiva, que
as leva a preservá-las vivas a qualquer custo. Isso pode ter acontecido na
medida em que os seres humanos foram ficando inteligentes. A premissa é a de que os laços afetivos antecedam
à razão.
O amor é um fenômeno biológico
determinado pelo sistema límbico, que compreende a parte do cérebro que regula
as emoções, exclusivo nos mamíferos e nas aves. Este sistema está relacionado com os
comportamentos sexuais e com a aprendizagem e atua como uma ponte entre as
funções biológicas e psíquicas, proporcionando equilíbrio ao organismo. Ele interfere diretamente nos sistemas
metabólicos, ou seja, nas transformações bioquímicas das células, que levam às
alterações biológicas, necessárias à sobrevivência da espécie.
As manifestações de amor não são exclusivas dos
seres humanos e alguns mamíferos apresentam comportamentos afetivos muito
semelhantes aos nossos. Douglas Foster, no livro O Futuro do Bonobos, relata que esses macacos são alguns dos poucos
primatas que copulam de frente. Eles vivem
em florestas tropicais da África. Suas semelhanças com os humanos não param por
aí, eles apreciam o sexo nas mais diferentes modalidades: heterosexual,
homosexual, grupal e até beijam de língua. Os indícios são de que não fazem
sexo apenas para procriar, utilizam-no para a satisfação pessoal e para a construção
de laços afetivos.
Para os cientistas, mesmo havendo grande
distinção entre a psicologia animal e a humana, há particularidades entre os
bonobos e os humanos que podem nos ajudar a revelar aspectos do comportamento e
da natureza humana ainda não conhecidos.
Por tudo isso, me permito especular que os
bonobos estejam percorrendo um caminho de evolução semelhante ao dos seres humanos. Acho que a cópula de frente tenha relação como
desenvolvimento da inteligência das fêmeas e penso que elas a adotaram para estabelecer
relações afetivas e duradouras com os machos.
Também, que suas práticas sexuais e afetivas estejam relacionadas com sua
vida social e que isto esteja proporcionando o desenvolvimento de outros sentimentos,
ainda não capturáveis pelas pesquisas, seja por limitação metodológica ou por
poucas evidências. Acho que eles estão
ficando inteligentes tal qual os seres humanos.
Parece-me que as fêmeas dos bonobos misturam
sexo e afeto, como fizeram as humanas e assim estão proporcionando o desenvolvimento
do amor carnal.
Creio que esta tenha sido a trajetória
evolutiva da espécie humana, o amor original se estendeu à sociedade na forma
de amor fraterno e alcançou a relação entre machos e fêmeas, se constituindo no
amor carnal. Portanto, estamos
observando três tipos de amor: original, fraterno e carnal.
Meu pressuposto maior é que a afetividade dos
humanos seja um componente interdependente da inteligência, ficamos
racionalmente mais inteligentes à medida que fomos nos conscientizando e
praticando o amor. Não que o amor tenha
sido produto da inteligência e vice e versa, mas que caminharam juntos na
trajetória evolutiva dos seres humanos.
Erich Fromm diz que o amor é uma arte que
deve ser aprendida como qualquer outra. Ele
não é nato, portanto, deve ser culturalmente aprendido. No entanto, tenho motivos para crer que o amor
que Fromm menciona seja um desdobramento do amor original, do qual derivou o
amor carnal e suas vertentes românticas.
Neste sentido, construções sociais mais elaboradas proporcionaram o
desenvolvimento de diferentes vertentes do amor partindo, principalmente, dos três tipos básicos de amor: original, fraterno e carnal.
Acredito também que o desenvolvimento dos diferentes
tipos de afeto, ao longo dos milhares de anos, levou à constituição de
elementos valorativos igualmente diversificados e que isso permitiu a diversificação e diferenciação do
pensamento, o que culminou na inteligência
tal como conhecemos hoje e na própria cultura.
A distinção do que era bom ou ruim foi estabelecida sob a
influência direta da emoção para depois alcançar a razão. Acho que este foi um movimento circular onde
quanto mais diversificávamos o pensamento e o sentimento, mais inteligentes
ficávamos e mais aprendíamos com os nossos sentimentos e vice e versa.
Creio que a evolução emocional e racional dos
seres humanos carregue as marcas do amor original e que influencie o nosso
comportamento até os dias de hoje, sobretudo por meio das crenças e religiões,
elementos decisivos na conformação das culturas.
Nesse sentido, Anselm Grün, em Pequeno Tratado do Verdadeiro Amor, nos
oferece um arsenal de evidências.
Segundo ele, um crente em Deus deve primeiro amar a sua vida, porque a
recebeu de presente do senhor, que o ama incondicionalmente. Mas não saberá amar se não tiver vivenciado
algum amor, por isso ele deve se lembrar do amor que teve quando criança, isto
o tornará capaz de amar.
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