segunda-feira, 16 de maio de 2016

Sobre a Origem do Amor

O amor é um dos grandes mitos da humanidade e ele está presente nas narrativas do princípio das coisas.  Nelas, Eros, o Deus do amor, é quem estabelece a indistinção entre vida e não-vida, quem liga os extremos de tudo, guarda o equilíbrio e o desequilíbrio, a força e a fraqueza, a razão e a não-razão.  O amor é tido como elo que liga o desconhecido ao conhecido.
Na mitologia, a imagem do amor, nascido das entranhas, está, assim, na própria origem do homem e no princípio de tudo, daí ser possível relacioná-lo com a mulher, mãe, única capaz de gerar a vida das próprias entranhas.
Herbert Marcuse em Erós e a Civilização apresenta algumas raízes para a origem do amor, quando situa a existência humana na lacuna entre os impulsos naturais de busca do prazer e os imperativos da razão, de promover a vida entre a razão e a sensibilidade e ter na sensibilidade a sua genuína fonte de prazer. Estes impulsos naturais ou primitivos têm como núcleo, o sexo e a reprodução e, por extensão, o amor carnal, ou seja, aquele que nos impele ao sexo
Este amor que é carnal pode ter decorrido do amor original, aquele que as mães sentem pelas crias de maneira instintiva, que as leva a preservá-las vivas a qualquer custo. Isso pode ter acontecido na medida em que os seres humanos foram ficando inteligentes.  A premissa é a de que os laços afetivos antecedam à razão.
O amor é um fenômeno biológico determinado pelo sistema límbico, que compreende a parte do cérebro que regula as emoções, exclusivo nos mamíferos e nas aves.  Este sistema está relacionado com os comportamentos sexuais e com a aprendizagem e atua como uma ponte entre as funções biológicas e psíquicas, proporcionando equilíbrio ao organismo.  Ele interfere diretamente nos sistemas metabólicos, ou seja, nas transformações bioquímicas das células, que levam às alterações biológicas, necessárias à sobrevivência da espécie.
As manifestações de amor não são exclusivas dos seres humanos e alguns mamíferos apresentam comportamentos afetivos muito semelhantes aos nossos.  Douglas Foster, no livro O Futuro do Bonobos, relata que esses macacos são alguns dos poucos primatas que copulam de frente.  Eles vivem em florestas tropicais da África. Suas semelhanças com os humanos não param por aí, eles apreciam o sexo nas mais diferentes modalidades: heterosexual, homosexual, grupal e até beijam de língua. Os indícios são de que não fazem sexo apenas para procriar, utilizam-no para a satisfação pessoal e para a construção de laços afetivos.
Para os cientistas, mesmo havendo grande distinção entre a psicologia animal e a humana, há particularidades entre os bonobos e os humanos que podem nos ajudar a revelar aspectos do comportamento e da natureza humana ainda não conhecidos.
Por tudo isso, me permito especular que os bonobos estejam percorrendo um caminho de evolução semelhante ao dos seres humanos.  Acho que a cópula de frente tenha relação como desenvolvimento da inteligência das fêmeas e penso que elas a adotaram para estabelecer relações afetivas e duradouras com os machos.  Também, que suas práticas sexuais e afetivas estejam relacionadas com sua vida social e que isto esteja proporcionando o desenvolvimento de outros sentimentos, ainda não capturáveis pelas pesquisas, seja por limitação metodológica ou por poucas evidências.  Acho que eles estão ficando inteligentes tal qual os seres humanos.
Parece-me que as fêmeas dos bonobos misturam sexo e afeto, como fizeram as humanas e assim estão proporcionando o desenvolvimento do amor carnal.
Creio que esta tenha sido a trajetória evolutiva da espécie humana, o amor original se estendeu à sociedade na forma de amor fraterno e alcançou a relação entre machos e fêmeas, se constituindo no amor carnal.  Portanto, estamos observando três tipos de amor: original, fraterno e carnal.
Meu pressuposto maior é que a afetividade dos humanos seja um componente interdependente da inteligência, ficamos racionalmente mais inteligentes à medida que fomos nos conscientizando e praticando o amor.  Não que o amor tenha sido produto da inteligência e vice e versa, mas que caminharam juntos na trajetória evolutiva dos seres humanos.
Erich Fromm diz que o amor é uma arte que deve ser aprendida como qualquer outra.  Ele não é nato, portanto, deve ser culturalmente aprendido.  No entanto, tenho motivos para crer que o amor que Fromm menciona seja um desdobramento do amor original, do qual derivou o amor carnal e suas vertentes românticas.  Neste sentido, construções sociais mais elaboradas proporcionaram o desenvolvimento de diferentes vertentes do amor partindo, principalmente, dos três tipos básicos de amor: original, fraterno e carnal.
Acredito também que o desenvolvimento dos diferentes tipos de afeto, ao longo dos milhares de anos, levou à constituição de elementos valorativos igualmente diversificados e que isso permitiu a diversificação e diferenciação do pensamento, o que culminou na inteligência tal como conhecemos hoje e na própria cultura.  A distinção do que era bom ou ruim foi estabelecida sob a influência direta da emoção para depois alcançar a razão.  Acho que este foi um movimento circular onde quanto mais diversificávamos o pensamento e o sentimento, mais inteligentes ficávamos e mais aprendíamos com os nossos sentimentos e vice e versa.
Creio que a evolução emocional e racional dos seres humanos carregue as marcas do amor original e que influencie o nosso comportamento até os dias de hoje, sobretudo por meio das crenças e religiões, elementos decisivos na conformação das culturas.
Nesse sentido, Anselm Grün, em Pequeno Tratado do Verdadeiro Amor, nos oferece um arsenal de evidências.  Segundo ele, um crente em Deus deve primeiro amar a sua vida, porque a recebeu de presente do senhor, que o ama incondicionalmente.  Mas não saberá amar se não tiver vivenciado algum amor, por isso ele deve se lembrar do amor que teve quando criança, isto o tornará capaz de amar.

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