quarta-feira, 4 de janeiro de 2017

Ciência e Religião – Parte IV

A Ciência é por natureza cética, não há como esperar que ela adote ideias que não possam ser validadas por seus próprios métodos. Por esta razão, quando analisa as religiões e seus fatos, seja através da Sociologia, Antropologia, Arqueologia, Física, Biologia ou por qualquer outro campo do conhecimento científico, produz resultados que embora lhes satisfaçam, nem sempre são aceitos pelas Religiões. Isso pode significar que a construção das Religiões seja influenciada tanto pela vida social e pelos fenômenos naturais, como por outros fatores que escampam à compreensão da Ciência ou vice-versa.
Richard Dawkins, um digno representante do ceticismo científico, “... posiciona a ciência à frente de Deus, sob o argumento de que ela nos ofereça soluções concretas para problemas da humanidade e a religião não.  Por isso, nos dias atuais acreditamos mais na ciência do que em Deus, mais em coisas materiais do que em espirituais.” No Entanto, “... penso que somos seres que precisam acreditar e que se reprimirmos a fé, estaremos nos violentando.”
“É possível que o vácuo de fé em Deus tenha levado pessoas a buscarem conforto e respostas para suas questões existenciais no mundo material ... De fato, a ciência traz notáveis soluções para o dia a dia dos seres humanos, seja em termos de saúde e longevidade, para compreender a nossa origem biológica e para a produção de bens materiais... Contudo, há algo na nossa natureza que nos remete implacavelmente para um futuro, que se desdobra indefinidamente desde a nossa origem...” e que não se explica somente pela ciência.
Não quero dizer que as Religiões existam para explicar o que a ciência não consegue e vice-versa, não é isso. Há elementos nas religiões que se analisados pela ciência podem lançar luz sobre as Religiões, aumentando o espectro de conhecimento de ambas.  Me refiro especificamente ao amor, a mais contundente manifestação de Deus, considerado assim pela maioria das Religiões.
Embora a existência de Deus não possa ser provada, sua principal manifestação, o amor, pode ser sentida por todos, até pelos cientistas mais céticos.  O estudo sistemático do amor, como um fenômeno bio-psiquico-social-religioso, em todas as suas vertentes e manifestações, pode aproximar os estudos científicos dos estudos religiosos.

As Religiões deram o primeiro passo em direção à Ciência, quando sistematizaram seus estudos através da Teologia.  O termo vem do latim e quer significar o (Logos) estudo de (Theo) Deus.  Ela procura estudar os fenômenos relacionados com Deus e suas influências na vida e nos fatos cotidianos e universalizar seus conhecimentos.

Trechos extraídos do livro Socorro! Deus é Menina.

segunda-feira, 2 de janeiro de 2017

Ciência e Religião Parte III

A busca por uma resposta para a pergunta “De onde viemos e para onde vamos?” nos colocou diante de uma possível origem e um possível destino, em que de um lado está o surgimento da vida e de outro a morte.
Nossa curiosidade sobre a origem da vida não nos mobiliza tanto quanto a nossa inquietude provocada pela sensação de finitude proporcionada pela morte. Parece que desejamos ser eternos e que a morte precisa de uma explicação que se adeque a isso. As crenças religiosas servem justamente para atenuar as nossas angústias e sofrimentos, por isso, têm que oferecer explicações para a morte.
Portanto, não fica difícil acreditar que o corpo seja habitado por uma alma, que continua após a morte do corpo. Essa é uma ideia reconfortante, que nos ajuda a combater o sentimento de finitude.
Nosso universo onírico é uma poderosa fonte de fantasias e imaginações, nele podemos ser onipresentes, onipotentes e tudo o que possamos imaginar. Ele é cheio de pessoas que já morreram. Há boas chances de termos iniciado a nossa crença na alma por não distinguirmos claramente a diferença entre os sonhos e a realidade.
Acreditar na existência da alma tornou possível conceber a sua existência em outros elementos não humanos. Isso porque a natureza tinha ascendência sobre o homem, seu poder, seja pela força dos predadores ou pelas condições ambientais inóspitas, colocavam os seres humanos em condição de inferioridade.
Achar que os animais, as árvores e os rios possuíam uma alma ou espírito, com intencionalidade, levou a construção de um universo espiritual fantástico.  A mitologia e as crenças politeístas se abasteceram dessa ideia e produziram espíritos e Deuses que regiam o mar, os céus, a terra, os Rios e todos os demais elementos da natureza. Eles estabeleciam o que homem podia ou não fazer, segundo a sua própria imaginação.

As primeiras religiões parecem ter surgido para dar sentido ao que o homem não conseguia compreender, para ele pudesse se situar frente às suas próprias angústias e temores.

sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

Ciência e Religião Parte II

As manifestações religiosas estão entre os homens há milhares de anos, até onde a arqueologia consegue alcançar.  A ciência é uma prática muito recente, se comparada com o tempo em que o homem cultua Deuses.
Ao que tudo indica, desde que a imaginação do homem se tornou possível ele a utilizou para construir outros universos além do que já conhecia.  A Arqueologia e a Antropologia mostram que em diferentes espaços e épocas, diferentes culturas produziram diferentes Deuses a modos de cultuá-los.
Algo comum entre a maioria das religiões é a questão: “De onde viemos e para onde vamos?”. Ela nos deixa ver que os homens apresentam uma necessidade elementar de acreditar em algo que vá além da sua compreensão comum acerca da sua origem e destino.
Essa questão possibilita o protagonismo do discurso de um Deus, que apresenta um contexto e as respostas, despertando a fé: acreditar em algo que não precisa ser explicado de outra maneira, senão pelo próprio Deus (Religião).
Antes dos principais protagonistas religiosos contemporâneos e da escrita, as crenças eram compartilhadas por gerações e gerações através da comunicação oral, lembrança, símbolos e tradições.
As principais religiões da atualidade surgiram do desdobramento de outras religiões ou crenças existentes ou do confronto entre elas. O cristianismo se construiu a partir das crenças hebraicas; o protestantismo uma reinterpretação do cristianismo; o islamismo da reação às escrituras anteriores, o Tora e a Bíblia; e o Budismo, uma reação ao hinduísmo.
Nos últimos quatro mil anos a capacidade de comunicação entre os homens foi avançando rapidamente e isso permitiu que as religiões se tornassem sistemas mais ou menos estáveis e evolutivos. A escrita e mais recentemente a impressão, criada por Gutemberg, permitiram certa universalidade às crenças religiosas. Mesmo assim, a grande questão continua perene: “De onde viemos e para onde vamos?”
Nos últimos séculos as religiões e a ciência vêm estreitando laços.  Atualmente os achados e a própria interpretação das religiões modernas, pelos próprios religiosos, faz uso disseminado de conhecimentos científicos, sejam antropológicos, sociológicos, psicológicos e outros. Não raro, um teste de carbono 14 de certo objeto confirma a datação de um fato religioso pregresso ou a análise geológica das camadas de um solo confirma um cenário ou ambiente muito remoto, citado em um escrito religioso.

Mas antes da ciência, tal como conhecemos hoje, o que eram as religiões, como surgiram?  O que a ciência pode nos dizer sobre isso?

quarta-feira, 28 de dezembro de 2016

Ciência e Religião Parte I

A ciência se constrói sobre conhecimentos científicos que se integram e se estendem na medida em que se confirmam com experiências empíricas.  Um fenômeno é científico quando se repete sob as mesmas condições.

Na ciência, os conhecimentos funcionam como uma malha multidimensional, em que seus elos podem pertencer a uma ou mais teorias, de um ou mais campos do saber. Desse modo, um conhecimento do campo da Biologia pode ser explicado pela Física, ou seja, uma célula pode ser explicada tanto em termos genéticos como moleculares e uma explicação corrobora a outra.

A religião se constrói a partir de conhecimentos dogmáticos, pressupostos que se integram, mas não se confirmam empiricamente tal como na ciência, dependem da crença. Uma religião só existe quando pessoas creem nos seus dogmas.

Enquanto a ciência universaliza o conhecimento, pois ciência é ciência em qualquer lugar e em qualquer tempo, a religião é totalmente dependente da cultura, que se diferencia no local e no tempo. Embora a maioria das religiões se construa em torno de um dogma central, um Deus, existem inúmeros e diferentes Deuses, independentemente de lugar e de época.

As religiões são mais predispostas a aceitarem e a integrarem a ciência ao seu campo de pressupostos, que o inverso. Isso ocorre porque os dogmas não se explicam sob os pressupostos universais da ciência e o conhecimento científico só é refutado pela religião quando contraria seus dogmas, o que não é muito frequente.

Um dos principais pressupostos que coloca a ciência e a religião em confronto diz respeito à origem dos homens.  Para a ciência, o homem evoluiu a partir de outros seres e para a religião cristã, por exemplo, ele foi criado por Deus à sua semelhança.

De um lado o evolucionismo e de outro o criacionismo, dois elos inconciliáveis. Mas até quando? Questiono porque tanto a ciência quanto a religião são possibilidades reais e concretas na mente de quase todos os cristãos.

domingo, 18 de dezembro de 2016

Mamãe e Deus - Uma Outra Analogia

No ventre de uma mulher grávida dois gêmeos dialogam:
- Você acredita em vida após o parto?
- Claro! Há de haver algo após o nascimento. Talvez estejamos aqui principalmente porque nós precisamos nos preparar para o que seremos mais tarde.
- Bobagem, não há vida após o nascimento. Afinal como seria essa vida?
- Eu não sei exatamente, mas certamente haverá mais luz do que aqui. Talvez caminhemos com nossos próprios pés e comeremos com a nossa boca.
- Isso é um absurdo! Caminhar é impossível. E comer com a boca? É totalmente ridículo! O cordão umbilical nos alimenta. Além disso, andar não faz sentido pois o cordão umbilical é muito curto.
- Sinto que há algo mais. Talvez seja apenas um pouco diferente do que estamos habituados a ter aqui.
- Mas ninguém nunca voltou de lá. O parto apenas encerra a vida. E afinal de contas, a vida é nada mais do que a angústia prolongada na escuridão.
- Bem, eu não sei exatamente como será depois do nascimento, mas com certeza veremos a mamãe, e ela cuidará de nós.
- Mamãe? Você acredita em mamãe? Se ela existe, onde ela está?
- Onde? Em tudo à nossa volta! Nela e através dela nós vivemos. Sem ela não existiríamos.
- Eu não acredito! Nunca vi nenhuma mamãe, por isso é claro que ela não existe.
- Bem, mas às vezes quando estamos em silêncio, posso ouvi-la cantando, ou senti-la afagando nosso mundo. Eu penso que após o parto, a vida real nos espera; e, no momento, estamos nos preparando para ela.

Autor Desconhecido

quinta-feira, 15 de dezembro de 2016

O Grande Poder da Palavra: Deus e Ciência – Porque não?

Todo final de ano, corriqueiramente, vivo uma maratona de leituras e de participação em bancas de monografias e artigos de alunos de graduação e pós-graduação. É uma rotina comum aos professores. A mesmice desse rito algumas vezes é desconcertada pelo impacto das palavras que os alunos escrevem, falam (na apresentação à banca) e pelos comentários que nós professores emitimos sobre os seus trabalhos.

Após uma sequência dessas bancas, fiquei refletindo sobre o quanto aquilo que os alunos escrevem e falam os modifica, tanto quanto os nossos comentários (dos professores da banca), sejam elogiosos ou críticos. Acho que a mudança se dá porque eles destinam muita energia para aquele momento da apresentação, que se mistura com inúmeros sentimentos, produzindo um estado de alerta que deixa-os receptivos e sensíveis. Nesse estado, tanto os comentários críticos como os elogiosos que fazemos produzem reações desproporcionais ao que comumente vemos. É certo que nem todos reagem da mesma maneira, mas enxergo um certo padrão comportamental nessas reações.

Embora o contexto seja indispensável para a receptividade e mudança dos alunos, chamo a atenção para o poder das palavras, aquelas que eles escrevem e pronunciam e as que falamos, quando comentamos suas apresentações ou anotamos nos seus textos. Quando eles falam, tentam nos convencer e principalmente a eles próprios do que estão dizendo, é como se estivessem dando uma aula para si mesmos.

Numa dessas bancas o aluno utilizou um termo que não conseguiu conceituar adequadamente, dando-lhe significado.  O ruim foi que o termo fazia parte do título do seu artigo. Ao final da apresentação, cumprindo meu papel de avaliador, perguntei-lhe o significado desse termo e ele, com certa vergonha, não conseguiu exprimi-lo corretamente. Ele não sabia. Em seguida, discorri por não mais que dois minutos sobre o termo e suas relações com as demais questões envolvidas em seu trabalho. Na medida em falava, sua vergonha se dissipava e seu semblante vibrava. Ao fim, me pareceu que todo o seu esforço, até aquele momento, foi compensado, em poucos instantes ele conseguiu preencher várias lacunas da sua compreensão sobre o assunto estudado.

Esse tipo de fenômeno se repete em outros contextos, sobretudo naqueles em que a emoção está presente. Sempre carregamos lacunas que podem ser ocupadas, seja por uma explicação ou um certo termo. As vezes enfrentamos verdadeiras revoluções interiores por termos ouvido e compreendido o significado de uma única palavra.

Isso ocorre porque construímos o nosso conhecimento como uma malha composta por inúmeros elos. Algumas vezes, um único elo produz muitas ligações e interfere significativamente na malha como um todo. Essa malha nãos é plana e possui camadas horizontais e verticais. Pode ocorrer de um único elo produzir ligações tanto na sua extensão como na profundidade. Em geral esses elos são palavras.

Atribuímos palavras e símbolos ao que conhecemos, como se fossem os códigos de barra do nosso conhecimento. Alguns desses códigos incorporam muitos significados, que os tornam poderosos, uma espécie de palavras chave do nosso conhecimento. A relevância desses significados varia com os contextos e com as pessoas envolvidas.

O que ocorreu com a banca que citei, foi que o significado daquele termo (do título do artigo do aluno) sobre o qual discorri, que para mim era comum, foi para aluno a chave que uniu inúmeros outros conhecimentos que eram produtos da sua experiência de vida até aquele momento.

Embora existam muitas palavras chave em nosso universo de termos, algumas delas se destacam.  Chamo a atenção para as palavras Deus, amor e mãe, elas possuem uma amplitude de aplicações e uma variedade de significados que as tornam muito difíceis de serem compreendidas em sua amplitude.

Me utilizei dessa explicação para mostrar como o livro Socorro! Deus é Menina surgiu.  Em certo momento, atribuí uma identidade feminina à Deus, porque percebi razões para isso e assim estabeleci uma consequente associação entre o amor de Deus e o amor materno. Daí surgiram inúmeros outros raciocínios que apresento no livro.  A identidade feminina de Deus me serviu tal como aquela breve explicação que dei ao aluno.

Disso tudo percebemos as barreiras para o avanço do conhecimento humano que muitos campos do conhecimento estabelecem, ao se enclausurarem em códigos exclusivos, não se permitindo dialogar com outras dimensões do conhecimento humano.  Isso acontece, por exemplo entre as religiões, em que Deus só pode ser visto segundo os códigos (dogmas) daquela religião; entre as ciências, em que os códigos (teorias) se esgotam naquele mesmo campo do conhecimento; e entre a religião (dogmas) e as ciências (teorias).