sexta-feira, 22 de abril de 2016

Sobre a Natureza de Deus

As mitologias dos primeiros povos apresentam várias narrativas sobre o princípio das coisas.  Na mitologia ocidental, de origem grega, a mais antiga parece ser a que vem de Homero, que atribui ao Oceano à origem de todos os Deuses e à origem de tudo.  Oceano é um Deus-rio e como um rio capaz de gerar e absorver o que gera.  Nesse sentido, é um interminável fluxo que flui e reflui em torno de si mesmo, tal qual a vida e o universo.  O fluxo é, então, a origem de tudo e a água seu elemento.  Como a água flui da nascente para o oceano, ele passa a ser a própria nascente que se expande ao longo do rio em um eterno movimento.  Um Deus que se perpetua na origem.  A origem é o Deus e ele é a origem, num fluxo e refluxo infinitos.
Em Orfeu, atribui-se à Nyx (noite) o princípio de tudo. Nyx é como um pássaro de asas negras, que copula com o vento e coloca um ovo de prata de onde se origina Eros, um Deus de asas de ouro, o Deus do amor. Um Deus que é apenas um nome, porém, o mais lindo de todos os nomes usados pelos Deuses. Nessa narrativa, o amor aparece em sua imagem original, encantador e flamejante. Dela se pode dizer que Eros é o primogênito de todos os Deuses.
De Eros deu-se o refluir, a origem de tudo, inclusive do próprio fluxo. Eros é, portanto, a força de atração e repulsão de tudo, a gênese da multiplicidade. Eros é como a fonte que se expande através do rio sem nunca deixar ser água.
As descrições etimológicas de Eros e por assim dizer do amor, revelam-no como um desejo incoercível de comprazer-se e deleitar-se. Algo que se expande e se esgota em si mesmo. Um fluxo situado na diferença entre os opostos e que materializa a carnalidade dos sentidos. Ele não é ordinário, plausível, racional ou sensato, apenas é.
Em Hesíodo, lê-se uma narrativa do amor não personificado. São seus Deuses primordiais Caos, o primeiro; depois Gaia, a mãe Terra; seguida de Tártaro, o fundo do chão; e por fim Eros, o mais belo de todos os Deuses imortais.  Eros é o Deus que doma o peito, o espírito e a vontade.
Em todas estas narrativas, Eros é o Deus que estabelece a indistinção entre vida e não-vida, quem liga os extremos de tudo, guarda o equilíbrio e o desequilíbrio, a força e a fraqueza, a razão e a não-razão.  Nelas, o amor é tido como elo que liga o desconhecido ao conhecido.
Na mitologia, a imagem do amor, nascido das entranhas, está, assim, na própria origem do homem e no princípio de tudo.
O Padre Jean Breck, professor no Instituto Saint-Serge de Paris, nos remete a uma questão ética central: como Deus gostaria que nos conduzíssemos? Segundo ele, ao procurarmos nas Escrituras e na tradição da Igreja, encontraremos uma resposta que se destaca “Deus é Amor”. Portanto, nossa conduta deve obediência ao amor oblativo e sacrifical da crucificação do Cristo. Este amor é trinitário, composto pela profunda e terna afeição oferecida por Deus, nossa afeição e fidelidade a Deus, expressa em nossas orações; e nosso amor dirigido jubilosamente ao outro e para o outro.
Estes aspectos éticos das religiões cristãs revelam a suprema importância do “amar a Deus”. Trata-se do mais importante princípio, de onde deriva a obediência aos demais princípios éticos. Sem esse amor, o sistema ético perde sua significação.
Vê-se tanto no Islamismo como no Judaísmo a importância do amor fraterno como elemento de ligação entre as criaturas. Muito embora a justiça esteja presente como orientadora da conduta, é o amor o principal componente de união de criaturas com criaturas e criaturas com o criador. Do mesmo modo, o Hinduísmo tem o amor como principal referência.
Por que o amor tem tanta importância na construção das obrigações éticas dos cristãos, mulçumanos, judeus e hindus?  Será porque ele, o amor, seja a primeira e única expressão de Deus e de vínculo entre os seres humanos? Ou porque explicá-lo seja tão difícil quanto a Deus?