Todo final de ano,
corriqueiramente, vivo uma maratona de leituras e de participação em bancas de
monografias e artigos de alunos de graduação e pós-graduação. É uma rotina
comum aos professores. A mesmice desse rito algumas vezes é desconcertada pelo
impacto das palavras que os alunos escrevem, falam (na apresentação à banca) e
pelos comentários que nós professores emitimos sobre os seus trabalhos.
Após uma sequência dessas bancas,
fiquei refletindo sobre o quanto aquilo que os alunos escrevem e falam os
modifica, tanto quanto os nossos comentários (dos professores da banca), sejam
elogiosos ou críticos. Acho que a mudança se dá porque eles destinam muita
energia para aquele momento da apresentação, que se mistura com inúmeros
sentimentos, produzindo um estado de alerta que deixa-os receptivos e
sensíveis. Nesse estado, tanto os comentários críticos como os elogiosos que fazemos produzem reações desproporcionais ao que comumente vemos. É certo que nem todos
reagem da mesma maneira, mas enxergo um certo padrão comportamental nessas reações.
Embora o contexto seja
indispensável para a receptividade e mudança dos alunos, chamo a atenção para o
poder das palavras, aquelas que eles escrevem e pronunciam e as que falamos,
quando comentamos suas apresentações ou anotamos nos seus textos. Quando eles falam, tentam nos convencer e principalmente a eles próprios do que estão
dizendo, é como se estivessem dando uma aula para si mesmos.
Numa dessas bancas o aluno
utilizou um termo que não conseguiu conceituar adequadamente, dando-lhe
significado. O ruim foi que o termo fazia parte
do título do seu artigo. Ao final da apresentação, cumprindo meu papel de
avaliador, perguntei-lhe o significado desse termo e ele, com certa vergonha,
não conseguiu exprimi-lo corretamente. Ele não sabia. Em seguida, discorri por não mais que dois minutos sobre o termo e suas relações com as
demais questões envolvidas em seu trabalho. Na medida em falava, sua vergonha
se dissipava e seu semblante vibrava. Ao fim, me pareceu que todo o seu esforço,
até aquele momento, foi compensado, em poucos instantes ele conseguiu preencher várias lacunas da sua compreensão sobre o assunto estudado.
Esse tipo de fenômeno se repete
em outros contextos, sobretudo naqueles em que a emoção está presente. Sempre
carregamos lacunas que podem ser ocupadas, seja por uma explicação ou um certo
termo. As vezes enfrentamos verdadeiras revoluções interiores por termos ouvido
e compreendido o significado de uma única palavra.
Isso ocorre porque construímos o
nosso conhecimento como uma malha composta por inúmeros elos. Algumas vezes, um
único elo produz muitas ligações e interfere significativamente na malha como um todo. Essa malha nãos é plana e possui camadas
horizontais e verticais. Pode ocorrer de um único elo produzir ligações tanto
na sua extensão como na profundidade. Em geral esses elos são palavras.
Atribuímos palavras e símbolos ao
que conhecemos, como se fossem os códigos de barra do nosso conhecimento. Alguns
desses códigos incorporam muitos significados, que os tornam poderosos, uma
espécie de palavras chave do nosso conhecimento. A relevância desses significados
varia com os contextos e com as pessoas envolvidas.
O que ocorreu com a banca que
citei, foi que o significado daquele termo (do título do artigo do aluno) sobre
o qual discorri, que para mim era comum, foi para aluno a chave que uniu inúmeros
outros conhecimentos que eram produtos da sua
experiência de vida até aquele momento.
Embora existam muitas palavras
chave em nosso universo de termos, algumas delas se destacam. Chamo a atenção para as palavras Deus, amor e
mãe, elas possuem uma
amplitude de aplicações e uma variedade de significados que as tornam muito
difíceis de serem compreendidas em sua amplitude.
Me utilizei dessa
explicação para mostrar como o livro Socorro! Deus é Menina surgiu. Em certo momento, atribuí uma identidade
feminina à Deus, porque percebi razões para isso e assim estabeleci uma consequente associação entre o amor de
Deus e o amor materno. Daí surgiram inúmeros outros raciocínios que apresento no livro. A identidade feminina de Deus me
serviu tal como aquela breve explicação que dei ao aluno.
Disso tudo percebemos as
barreiras para o avanço do conhecimento humano que muitos campos do conhecimento estabelecem, ao se enclausurarem em
códigos exclusivos, não se permitindo dialogar com outras dimensões do conhecimento
humano. Isso acontece, por exemplo entre
as religiões, em que Deus só pode ser visto segundo os códigos (dogmas) daquela
religião; entre as ciências, em que os códigos (teorias) se esgotam naquele mesmo campo do conhecimento; e entre a religião (dogmas) e as ciências (teorias).
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