As mitologias dos primeiros povos apresentam
várias narrativas sobre o princípio das coisas.
Na mitologia ocidental, de origem grega, a mais antiga parece ser a que
vem de Homero, que atribui ao Oceano à origem de todos os Deuses e à origem de
tudo. Oceano é um Deus-rio e como um rio
capaz de gerar e absorver o que gera.
Nesse sentido, é um interminável fluxo que flui e reflui em torno de si
mesmo, tal qual a vida e o universo. O
fluxo é, então, a origem de tudo e a água seu elemento. Como a água flui da nascente para o oceano, ele
passa a ser a própria nascente que se expande ao longo do rio em um eterno movimento. Um Deus que se perpetua na origem. A origem é o Deus e ele é a origem, num fluxo
e refluxo infinitos.
Em Orfeu, atribui-se à Nyx (noite) o princípio
de tudo. Nyx é como um pássaro de asas negras, que copula com o vento e coloca
um ovo de prata de onde se origina Eros, um Deus de asas de ouro, o Deus do
amor. Um Deus que é apenas um nome, porém, o mais lindo de todos os nomes
usados pelos Deuses. Nessa narrativa, o amor aparece em sua imagem original,
encantador e flamejante. Dela se pode dizer que Eros é o primogênito de todos
os Deuses.
De Eros deu-se o refluir, a origem de tudo, inclusive
do próprio fluxo. Eros é, portanto, a força de atração e repulsão de tudo, a
gênese da multiplicidade. Eros é como a fonte que se expande através do rio sem
nunca deixar ser água.
As descrições etimológicas de Eros e por assim
dizer do amor, revelam-no como um desejo incoercível de comprazer-se e
deleitar-se. Algo que se expande e se esgota em si mesmo. Um fluxo situado na
diferença entre os opostos e que materializa a carnalidade dos sentidos. Ele
não é ordinário, plausível, racional ou sensato, apenas é.
Em Hesíodo, lê-se uma narrativa do amor não personificado.
São seus Deuses
primordiais Caos, o primeiro; depois Gaia, a mãe Terra; seguida de Tártaro, o
fundo do chão; e por fim Eros, o mais belo de todos os Deuses imortais. Eros é o Deus que doma o peito, o espírito e
a vontade.
Em todas estas narrativas, Eros é o Deus que estabelece
a indistinção entre vida e não-vida, quem liga os extremos de tudo, guarda o
equilíbrio e o desequilíbrio, a força e a fraqueza, a razão e a não-razão. Nelas, o amor é tido como elo que liga o desconhecido
ao conhecido.
Na mitologia, a imagem do amor, nascido das
entranhas, está, assim, na própria origem do homem e no princípio de tudo.
O Padre Jean Breck, professor no Instituto Saint-Serge de Paris, nos remete a uma questão
ética central: como Deus gostaria que nos
conduzíssemos? Segundo ele, ao procurarmos nas Escrituras e na tradição da
Igreja, encontraremos uma resposta que se destaca “Deus é Amor”. Portanto, nossa conduta deve obediência ao amor
oblativo e sacrifical da crucificação do Cristo. Este amor é trinitário, composto
pela profunda e terna afeição oferecida por Deus, nossa afeição e fidelidade a Deus,
expressa em nossas orações; e nosso amor dirigido jubilosamente ao outro e para
o outro.
Estes aspectos éticos das religiões cristãs revelam
a suprema importância do “amar a Deus”. Trata-se do mais importante princípio,
de onde deriva a obediência aos demais princípios éticos. Sem esse amor, o
sistema ético perde sua significação.
Vê-se tanto no Islamismo como no Judaísmo a
importância do amor fraterno como elemento de ligação entre as criaturas. Muito
embora a justiça esteja presente como orientadora da conduta, é o amor o
principal componente de união de criaturas com criaturas e criaturas com o
criador. Do mesmo modo, o Hinduísmo tem o amor como principal referência.
Por que o amor tem tanta importância na
construção das obrigações éticas dos cristãos, mulçumanos, judeus e hindus? Será porque ele, o amor, seja a primeira e
única expressão de Deus e de vínculo entre os seres humanos? Ou porque explicá-lo
seja tão difícil quanto a Deus?